A era dos aplicativos

Vivendo meu sexagésimo nono ano de vida, não sou – de forma alguma – um analfabeto digital. Mas estou desenvolvendo elevado senso crítico e até – por que não? – aversão aos aplicativos.

Passa a ser contrassenso a quantidade de aplicativos, se pensarmos que a proposta é simplificar.

A multiplicidade de aplicativos adotados pelos órgãos governamentais não faz qualquer sentido. Em meu celular já tenho um para a identidade, outro para o título de eleitor, mais um para a carteira de habilitação e, por fim, instalei um do INSS que, para executar determinadas funções – como a prova de vida anual – obrigatoriamente teria de ser instalado no mesmo telefone onde já estivesse instalado o de título eleitoral, objetivando o acesso à foto instalada naquele. Ora, deveria existir um único aplicativo para concentrar toda a documentação. Será que terei que baixar mais um para o CPF?

Quando surgiu o primeiro aplicativo de transporte, parecia simples a concorrência com os táxis convencionais. Até que surgiu outra empresa de transporte por aplicativo e, depois, outra… e outra…

As lojas de departamentos são inúmeras. Bancos: pelo menos são somente os que temos conta… (até que lhe enviem algum boleto de outro banco, que só possa ser pago via aplicativo!)

Os postos de gasolina estão oferecendo opções que só podem ser usadas por quem tem o aplicativo…

A farmácia atende pedidos pelo aplicativo e para pesquisar os preços, você deve baixar o aplicativo da farmácia concorrente lá da outra esquina…

Cinco ou seis supermercados precisam estar com respectivos aplicativos instalados para que você compare preço e aproveite promoções…

A banca de revistas onde você compra jornal…

O sistema de transportes urbanos para você se enganar sobre o horário dos ônibus (que nunca funciona)…

O cadastramento do sistema de vacinação contra o COVID-19…

A agência de reservas de hotéis e viagens pede que você instale o aplicativo para usar seus serviços… O colégio das crianças… O açougue… A rádio FM… a outra, se você não quiser depender de uma apenas… O cartão de saúde só vai marcar consulta pelo aplicativo… A igreja está oferecendo um para que você acompanhe a programação de eventos… o bar oferece o cardápio e lhe serve mais um chopp na mesa, via aplicativo…

Basta!

Não há mais memória disponível no celular. Vou entrar no aplicativo de uma loja para ver o preço de um novo aparelho. Ou, quem sabe no aplicativo da operadora eu consiga negociar outro plano?

Não é saudosismo nem certamente parei no tempo.

Trata-se de uma questão de racionalidade.

Aplicativos excelentes são os que claramente possibilitam utilização imediata.

Um bom exemplo é o de solicitação de transporte: você solicita de onde estiver, no momento em que surge a necessidade. Vê o carro se deslocando até você, assim como envia sua localização para atendimento. Então, tem que estar ao imediato alcance da mão. Precisa melhorar muito em vários aspectos, como por exemplo na visualização dos transportes disponíveis possibilitando ao usuário a escolha do melhor carro ao invés de ser o motorista quem lhe escolhe. Ideal para o usuário e para incentivar a concorrência, também seria a integração de frotas diferentes, para que o usuário escolhesse a melhor, mais barata ou de chegada mais rápida no momento da consulta, sem ter que acessar três ou quatro aplicativos diferentes. Mas isso é outra questão.

Para comprar um produto de supermercado, loja, farmácia etc. ainda prefiro uma consulta no site, mesmo que naturalmente eu tenha um cadastro prévio e até receba mensagens de promoções. Nada justifica reservar um ícone na tela do meu celular para ficar “fuçando” as ofertas, se minhas compras são eventuais.

Para a loja certamente é uma excelente ferramenta de marketing, permitindo bombardear o cliente de forma constante, saber suas preferências e até seu planejamento de próxima compra… para o cliente significa a abdicação da pesquisa ampla, agora resumida às lojas de sua telinha (antigamente seriam as do seu bairro, no tempo em que passeávamos pelos centros de compra físicos – hoje, “market places” frequentados por avatares dos antigos habitantes do planeta).

Assim, os celulares passam a ser, cada vez mais, objeto de desejo dos ladrões. Não tanto pelos equipamentos que nem sempre são top de linha, mas pelo fato de levarem, junto com o aparelho, toda documentação da vítima, seu acesso aos bancos, sua autorização de compra nas lojas, seu cartão de crédito virtual, sua vida – já que a vida hoje se desenrola mais no cenário virtual, que no real.

Minha paciência tem um limite menor que a memória do meu celular: Basta!

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